“Considero o mundo inteiro como a minha paróquia”
John Wesley
O movimento metodista teve seu início há quase três séculos, na Inglaterra. Era uma época em que a sociedade inglesa passava por rápidas transformações. Milhares de pessoas saíam da zona rural, que era controlada por grandes proprietários, para procurar trabalho nas novas indústrias das cidades. Era uma época em que o povo vivia na miséria, trabalhando longas horas e só ganhando o mínimo necessário para sua sobrevivência.
As pessoas moravam em cortiços, sem as mínimas condições e, quando ficavam doentes, não tinham acesso a médicos. As crianças não iam à escola porque, em geral, trabalhavam para ajudar seus pais. Havia grande número de viciados, especialmente de alcoólatras. A Igreja Anglicana era a igreja principal da época, mas não se preocupava com o sofrimento do povo e estava acomodada na prática de cultos alienados. Havia outras pequenas igrejas e grupos religiosos promovendo a renovação, mas quase todas se mantinham na piedade individual, sem qualquer compromisso com a sociedade. As igrejas tentavam salvar o indivíduo sem, entretanto, lutar por uma sociedade mais justa.
Neste contexto, de sofrimento do povo e de igrejas alienadas, um jovem sacerdote chamado John Wesley teve sua vida radicalmente mudada através de uma experiência religiosa em 24 de maio de 1738. Sentindo-se amado por Deus e, desafiado a criar um movimento para renovar a Igreja Anglicana, ajudou as pessoas a conhecerem o amor de Deus e a trabalharem por um mundo melhor. Através de pequenos grupos, Wesley organizou milhares de pessoas em equipes, procurando ser fiel a Deus através de uma vida santificada.
John Wesley sentia que ser apenas convertido não era suficiente. Para ser cristão verdadeiro, a pessoa precisava ter fé em Cristo, sentir o amor de Deus e pôr em prática essa fé. Por isso, desde o início, os metodistas, além de evangelizar, visitavam os presos, criavam escolas e desenvolviam obras sociais. Ser metodista significava refletir o amor de Cristo em todas as dimensões da vida. O povo metodista do passado não limitava sua prática da fé com crenças, ou com projetos assistencialistas, mas também lutando contra a escravidão. Wesley entendia que tanto Satanás como o pecado viviam no coração das pessoas e também nas estruturas sociais. Assim, a unidade da conversão individual e a transformação da sociedade sempre foram características da Igreja Metodista.
Para Wesley não era correto, tampouco bíblico, criar uma nova Igreja. Na sua visão, a divisão da família cristã não pertencia ao projeto de Deus. Por isso, o movimento metodista sempre teve um grande interesse na unidade cristã, como um movimento de renovação, sem qualquer pretensão de criar uma nova igreja. Todavia, após a morte de John Wesley surge a Igreja Metodista, pois já não havia mais a possibilidade de continuar dentro da Igreja Anglicana.
Texto extraído de http://www.metodista1re.org.br/metodismo/hist%C3%B3rico/9-origem.
Fundador do metodismo – John Wesley
John Wesley era filho de Samuel e Suzana Wesley. Nasceu em Epworth, Inglaterra em 17 de junho de 1703 e viveu até 02 de março de 1791. Seu pai, Samuel Wesley, não era uma pessoa querida pelos seus paroquianos e, por isso tanto, ele como a família, sofreram alguns ataques violentos. Na noite de 9 de Fevereiro de 1709, deitaram fogo à reitoria. Uma das mais conhecidas histórias sobre John Wesley refere-se ao seu salvamento, quando tinha cinco anos de idade, por um homem firmado nos ombros de outro, pouco antes de o teto ruir. O grito de Susanna “não é este um tição retirado do fogo?” tornou-se uma profecia. O próprio John foi, mais tarde, influenciado pela convicção da mãe de que Deus tinha uma missão especial para ele.
John Wesley viveu na Inglaterra do Século XVII, quando o cristianismo, em todas as suas denominações, estava definhando. Ao invés de influenciar, o cristianismo estava sendo influenciado, de maneira alarmante, pela apatia religiosa e pela degeneração moral. Dentre aqueles que não se conformavam com esse estado paralizante da religião cristã, sobressaiu-se John Wesley. Primeiro, durante o tempo de estudante na Universidade de Oxford, depois como líder no meio do povo. John Wesley pertencia a uma família pastoral, que vivia em Epworth, numa região afastada de Londres. Em seu lar absorveu a seiva de um cristianismo genuíno.
Ao entrar para a universidade, Wesley não se deixou influenciar pelo ceticismo cínico e nem pela libertinagem. Como reação a isso formou. junto com outros poucos jovens, o chamado “CLUBE SANTO”. Os adeptos dessa sociedade tinham a obrigação de dar um testemunho fiel da sua fé cristã, conforme as regras da Igreja Anglicana. Eram rígidos e regulares em suas expressões religiosas, no exercício de ordem espiritual e no auxílio aos pobres, aos doentes e aos presos. Por causa dessa regularidade, os demais companheiros da universidade zombavam e ridicularizavam os membros do “CLUBE SANTO” dando-lhes o apelido de “METODISTAS”.
Embora cumprisse fielmente a disciplina do “clube”, John Wesley não se sentia satisfeito. Durante anos lutou com esse sentimento de insatisfação até que em 24 de maio de 1738, na rua Aldersgate, em Londres, passou por uma experiência espiritual extraordinária, que é assim narrada em seu diário:
“Cerca das nove menos um quarto, enquanto ouvia a descrição que Lutero fazia sobre a mudança que Deus opera no coração através da fé em Cristo, senti que meu coração ardia de maneira estranha. Senti que, em verdade, eu confiava somente em Cristo para a salvação e que uma certeza me foi dada de que Ele havia tirado meus pecados, em verdade meus, e que me havia salvo da lei do pecado e da morte. Comecei a orar com todo meu poder por aqueles que, de uma meneira especial, me haviam perseguido e insultado. Então testifiquei diante de todos os presentes o que, pela primeira vez, sentia em meu coração”.
Para John Wesley, clérico da Igreja Anglicana, esse novo sentir não era como a conversão de um infiel a Cristo. Era um aprofundar na compreensão do que significa ser cristão. O movimento metodista, por muitas décadas não se organizou em igreja. Na Inglaterra o movimento organizou-se em igreja somente pouco depois da morte de John Wesley em 22 de março de 1791. Sendo assim, o fundador do movimento metodista morreu Anglicano, sem nunca ter pertencido à Igreja Metodista.
Prof. Duncan Alexander Reily – Imprensa Metodista. Fonte: Momentos Decisivos do Metodismo.
Texto extraído de http://www.metodista.org.br/john-wesley
A Reforma Wesleyana do Século XVIII
Em 1744, João Wesley e nove dos seus colaboradores, todos anglicanos, se reuniram para descobrir o propósito de Deus em levantar o metodismo. Depois de muita oração, concluíram que Deus os chamava para “reformar o país e, em particular, a Igreja [da Inglaterra] e espalhar a santidade bíblica por toda a terra”. A obra teria embasamento numa atualização e ampliação das grandes doutrinas da Reforma de Lutero, buscando aplicar as boas novas à situação social da época.
Segundo o historiador H. O. Wakeman, a Igreja da Inglaterra começou a perder o seu vigor no tempo do rei William. Em seu livro Introduction to the History of the Church on England (Introdução à História da Igreja na Inglaterra), ele diz que “quando os sinos dobraram em 1714 para saudar a entronização de William I, eles anunciaram a morte dos seus [da igreja] altos ideais e vida vigorosa por mais de meio século”. Outrora vigorosas, as denominações oriundas do puritanismo (congregacionais, presbiterianas e batistas) foram enfraquecidas pela imposição de uma única forma de culto (segundo o Livro de Oração Comum). Esse enfraquecimento se intensificou com o crescimento do socinianismo (unitarismo) no meio das igrejas. Em resumo, o cristianismo inglês no século XVIII estava em profunda decadência, carecendo de uma nova reforma. Foi nesse cenário que João Wesley reafirmou os grandes princípios da Reforma Protestante do século XVI no seu ensino, pregação e vivência, trazendo verdadeira renovação ao cristianismo britânico
A justificação pela fé
Conhecida como a experiência do “coração quente”, a experiência religiosa de João Wesley, acontecida em Londres, na noite de 24 de maio de 1738, pode dar a idéia de apenas um momento de forte emoção. Felizmente, ele deixou para a posteridade uma sucinta autobiografia espiritual, na qual a descrição de sua experiência, longe de limitar-se ao que ele sentiu, é uma análise racional, de surpreendente densidade teológica.
No parágrafo 14 da autobiografia, Wesley esclarece os pontos básicos da sua fé evangélica. Ele defende que fé, mais do que crença, é confiança em Cristo e que o pecador arrependido que recebe o dom da fé é perdoado de seus pecados. Afirma que a pessoa, tendo recebido o dom da fé e o perdão dos pecados (justificação), muitas vezes recebe a certeza deste perdão em seu próprio coração.
Ainda no gozo daquela paz com Deus que acompanha a certeza do perdão e a adoção como filho, João Wesley começa a compartilhar sua nova fé entre amigos, nas sociedades religiosas e, quando possível, nas igrejas.
Inesperadamente convidado por Whitefield, Wesley começa a proclamar a boa nova a multidões ao ar livre. Um de seus textos favoritos para essas pregações era: “Arrependei-vos e crede no Evangelho”. Foi para pessoas no estado espiritual de arrependimento que ele organizou as “sociedades” (não igrejas!). Foi para os arrependidos que ele criou as “Regras Gerais”: (1) evitar o mal e (2) praticar o bem (no sentido de serviço ao próximo no espírito especial). Aqueles que recebiam e testemunhavam sua fé pessoal em Jesus eram encorajados ao crescimento na graça e à perfeição no amor. Wesley cria que o mandamento: “Sede vós perfeitos” (Mt 5.48) e o urgente convite: “prossigamos até a perfeição” (Hb 6.1) tinham de ser levados a sério. Para ele, a perfeição cristã era a perfeição em amor, e o amor é sempre atuante. Por isso, não havia conflito nem distanciamento entre a evangelização e a ação social, como freqüentemente acontece hoje. Wesley se preocupava com a situação dos pobres. Ele estabeleceu um modesto fundo de empréstimos para pessoas que desejassem começar uma empresa familiar ou pagar uma dívida urgente. Para os doentes, fundou um ambulatório e compilou um livro de remédios caseiros. Procurou também atacar as causas da pobreza. Como exemplo, cita-se seu apoio à obra de alfabetização de Roberto Raikes. Além disso, direta ou indiretamente (principalmente por meio da ala evangélica da Igreja da Inglaterra), a Reforma Metodista participaria da reforma penitenciária, bem como do movimento de abolição do tráfico de escravos. Poucos dias antes de sua morte (24 de fevereiro de 1791), Wesley escreveu a William Wilberforce, encorajando-o a não abandonar a luta contra a escravidão. E essa carta teve êxito! Assim, a obra evangelistica de Wesley se completou com sua obra social de largo e duradouro impacto.
O papel da Bíblia
Em sua carreira reformista, João Wesley percebeu bem cedo a importância não só da evangelização, como também da edificação das pessoas evangelizadas. Assim, na “Fundição”, local que se tornou a sede dos metodistas em Londres, ele introduziu a “pregação da manhã”. Ele insistia que os cristãos se reunissem para cultuar a Deus diariamente, às cinco horas. Nessas reuniões, ele fazia breves exposições bíblicas, freqüentemente abordando um versículo por dia.
No prefácio do primeiro volume dos seus Sermões, Wesley declarou ao mundo seu ideal de ser homo unius Iibri (homem de um [só] livro). Alguns anos atrás, aceitei o desafio de fazer uma nova versão dessa obra. Logo percebi que a mente de Wesley estava tão saturada com a Bíblia que ele usava não apenas a doutrina, mas também a linguagem bíblica. Outra evidência de que ele buscava ser homo unius libri é seu livro Notas Explicativas sobre o Novo Testamento (1753-1754), em cujo prefácio ele declara: “Durante muitos anos, venho desejando pôr no papel em forma conveniente tudo que me tem vindo à mente pela minha leitura, pensamento ou conversação que poderia ajudar pessoas sérias, que não tiveram a oportunidade de educação formal, na sua compreensão do Novo Testamento”. Depois de mencionar, modestamente, falta de “erudição, experiência e sabedoria” como razões da sua demora em preparar tal obra, ele explica que teria de fazê-lo logo, pois uma doença séria parecia indicar a proximidade da morte. Sem forças para viajar ou pregar, mas ainda capaz de “ler, escrever e pensar”, ele se dedicou à tarefa de produzir, com a ajuda do seu irmão Carlos, as Notas.
O sacerdócio universal dos cristãos
Um dos aspectos mais importantes da obra de Wesley foi a reapropriação da doutrina do sacerdócio universal dos cristãos. Além disso, ele fez uma aplicação mais larga do que aquela feita por Lutero. Como exemplos disso, citam-se a pregação de leigos e o trabalho da mulher.
Durante os primeiros anos do movimento, seus principais pregadores foram os irmãos João e Carlos Wesley. Thomas Maxfield havia se convertido por meio da pregação de João Wesley em Bristol e se ofereceu para ajudá-lo da maneira que este designasse. Certa ocasião, estando Wesley ausente de Londres, Maxfield começou a pregar na Fundição, algo quase inédito naquele tempo. Ao saber da irregularidade, Wesley voltou a Londres às pressas para proibir tal aberração. Todavia, ouvindo a pregação do jovem, exclamou: “É do Senhor! Seja feita a vontade dele!” Depois disso, já aberto à idéia da pregação leiga, ele estabeleceu uma série de critérios a que qualquer leigo tinha de atender para ser autorizado a pregar. A pessoa precisava ter (1) graça – experiência da justificação pela fé, por meio da graça de Deus; (2) dom – capacidade de transmitir a outros o plano divino da salvação; e (3) frutos – pessoas arrependidas, testemunhando ter passado da morte espiritual para a vida por meio da sua pregação. Se o jovem atendesse a estas condições básicas, ele era arrolado como pregador em experiência e começava o seu preparo intelectual, principalmente pela leitura. Wesley preparou para os pregadores leigos cinqüenta tomos massudos de matéria teológica, desde os pais apostólicos até teólogos do século XVIII.
A vocação e prontidão dos pregadores leigos em servir como “filhos no evangelho” eram condições consideradas sine qua non por Wesley. Mas eles não precisavam passar longos anos na universidade. Logo depois de serem licenciados para pregar, eles entravam em atividade. Eram homens do povo, o que facilitava a sua comunicação com as massas inglesas. Portanto, é fácil perceber como a pregação leiga foi um fator importantíssimo no alastramento do metodismo.
Dois dias depois de começar a pregação ao ar livre, Wesley começou a incluir a mulher no quadro dos seus colaboradores. Nos agrupamentos promovidos para o alcance dos alvos do movimento, havia uma liderança feminina para as mulheres. Além disso, as mulheres ensinavam nas escolas e orfanatos do movimento, bem como em outras obras de caridade. Foi uma mulher (Ana BaIl) que fundou a Escola Dominical em High Wycombe em 1769, onze anos antes das escolas de Roberto Raikes, o fundador oficial da Escola Bíblica Dominical.
Por ocasião do enterro da sua mãe, Susana, Wesley registrou em seu diário (01/08/1742) parte de uma carta escrita por ela em 1712, na qual ela descreve cultos com mais de 200 pessoas dirigidos por ela. Isso leva a crer que Wesley via sua mãe como precursora das pregadoras que surgiram no meio do movimento. Temos de confessar que ele não reconheceu com o mesmo entusiasmo e aprovação a pregação feminina que marcava o trabalho de leigos “movidos pelo Espírito para pregar”. Entretanto, não a proibiu.
Alguns ramos do movimento, como os Metodistas Cristãos da Bíblia e o Exército da Salvação, deram um lugar de destaque para a mulher pregadora.
Concluo com palavras do próprio João Wesley: “O que pretendo é declarar abertamente a toda a humanidade o que é que os chamados metodistas já fizeram e fazem agora – ou, melhor, o que Deus já fez e continua fazendo em nossa terra. Porque não é o trabalho do homem que apareceu recentemente. Todos que observem calmamente devem dizer: ‘Foi o Senhor que fez isto e é coisa maravilhosa aos nossos olhos’ [SI 118.23].”
Autor: Duncan Alexander Reily. Nasceu no Estado do Mississipi, EUA, no ano de 1924 e foi missionário no Brasil durante 55 anos. Doutor em história da igreja pela Emory University, em Atlanta, Geórgia, ex-professor da Universidade Metodista de São Paulo e autor de vários livros, dentre eles “História Documental do Protestantismo no Brasil”. O professor Duncan Alexander Reily faleceu no Brasil, em Campinas, São Paulo, em 2004. Sua contribuição ao metodismo brasileiro foi de importância singular.
Texto extraído de https://4re.metodista.org.br/institucional/metodismo/reforma-wesleyana